8 de jul. de 2012

O luto na casa da fé

Já escrevi alguns sentimentos, mas fiquei esperando um tempo para refletir o que é o luto. Hoje, depois de um mês, e um dia antes de passar meu primeiro aniversário sem meu pai, procurei o significado da palavra luto. Nenhum foi tão satisfatório quanto o que me vem agora: luto é o mesmo que saudade. E até consigo falar mais facilmente a palavra luto,porém, a palavra saudade engasga na minha garganta  e mal consigo pronunciá-la.

E entendo o porquê. Essa saudade é diferente de qualquer outra saudade que já senti. Não é saudade de alguém que viaja,porque a pessoa pode voltar; nem de namorado que você não tenha mais,porque uma hora você se convence de que não tem que sentir mais nada e bota pra jogo o amor próprio; não é saudade de um tempo passado.E a saudade de alguém que você perdeu e que não vai voltar; que o amor próprio não vai dar jeito e nem o tempo trará a pessoa de volta. É a saudade mais vazia que existe,porque é de alguém que se foi para sempre.Mas é a saudade mais cheia de amor, de lembranças e de saudade. É a saudade que ora dá vontade de falar da pessoa para ver se diminui, ora dá vontade de nem ouvir seu nome.

Repetimos inúmeras vezes: ele descansou, foi melhor. Sabemos disso todos nós aqui em casa e, talvez, essa seja a desculpa mais esfarrapada para escondermos as nossas dores e as nossas lágrimas. A corajosa mesmo é minha mãe, ela chora, diz que sente falta dele, pega a sua foto e olha por vários minutos. A covarde sou eu, nem sua foto tenho coragem de olhar mais;mas, não há um só dia que eu não sinta a sua falta e que isso não transpareça no meu olhar, velado pelos óculos.

Convivemos com a sua morte por onze anos. E vínhamos nos conformando com a chegada dela. Aquele início de quarta-feira, quando ela realmente veio, pensei: acabou. Queríamos todos que seu sofrimento acabasse, mas queríamos todos,no fundo, um milagre.Meu pai, ali deitado. Horas antes eu lhe disse por telefone que o amávamos. Que o amamos! Perguntei à médica onde estava a minha mãe e ficamos resignados. A médica disse: fizemos de tudo. Só que o tudo naquele momento já não bastava,porque sua missão tinha acabado.

Consolar minha mãe, resolver a papelada, pegar o óbito, resolver o enterro,ligar para os amigos. A burocracia que nos impede o luto. Entretanto, o luto- que já fomos vivendo nos 40 dias de internação - só foi suportável porque foi o luto que hoje eu chamo de "o luto na casa da fé".  Essa fé que nos faz acreditar que foi o melhor, que nos faz levantar e trabalhar dias depois da perda. A fé que nos faz sorrir quando o coração está um caco. Essa casa acolhedora que nos dá coragem.

A saudade paralisa; a perda pode trazer culpas; a vida pode perder o sentido. Mas não para quem vive o luto na casa da fé. Não ouvi de Deus, em meus momentos de oração, que meu pai ficaria curado. Ouvi Dele que era momento de preparar meu coração e de já ir abrindo a porta da "casa da fé" para entrar no cômodo do luto. Esse cômodo que passamos em alguns momentos ao longo do dia, porém, o dono da casa nos mostra que não é para fazermos desse cômodo nossa morada.

Depois de um tempo, esse quarto será menos visitado, só que é certo que a vida toda, minha família e eu, voltaremos a entrar nele de vez em quando, deitaremos em sua cama e choraremos a saudade. Por enquanto, tenho entrado lá todos os dias, mas, na casa da fé, o luto vira sinal de esperança, e o dono da casa consola o coração, a fim de nos preparar para o dia em que todos nós estaremos sentados à mesa, na casa da fé, junto com meu pai.

Um comentário:

Matheus disse...

Lindo o texto, quanta sensibilidade... Beijão do teu amigo Matheus.